25 abril 2013

Alice...



            Suas costas foram as últimas ondas que animaram minha vida. Depois daquilo, o Rio se descoloriu em mim.
          Alice era inquieta, era viva e seus olhos eram a principal parte do corpo onde abrigava a vivacidade existente dentro de si. Ah, aqueles olhos, brilhantes como a lua num céu de abril. Como não notar o inflamar de seus olhos, quando estes eram invadidos por algo que a tocava? Os olhos avermelhados de Alice clareavam-se, em meio ao verde do quintal de minha casa e ao castanho de tardes chuvosas. E aquilo me inundava de gozo.
            Sempre fez-se bela, diante de mim. Todo o tempo em que estivera longe eu não sei, mas diante de mim, fazia-se deslumbrante. O sorriso eu jamais esqueci e nunca notei outro, tal qual aquecesse meu peito. E a ânsia por tudo o que ainda havia não visto, ficou grudada, em parte e de alguma forma, a minha pessoa.
          Falando ainda do sorriso, foi ele que chegou primeiro aos meus olhos. Sorriso este que, por vezes, entrecortado pelo cabelo cor de terra escura, não sei se para a minha admiração ou espanto, abriu-se ao ver-me. Naquele dia eu não chegava a creditar a imaginação de tê-la em meus braços.
                 
          - Esta é Alice. A nossa nova companheira de luta. – Sobre o contexto não convém explicações, apenas que Alice fazia-se presente numa das tantas reuniões do partido o qual eu defendia. O mesmo no qual me decepcionei tempos depois, como acontece em muitas lutas falseadas. A respeito de quem me apresentou a ela, também não é necessário comentários.
          - Oi, muito prazer.  Dante... Dante Emiliano. – Quase misturando as palavras com o último trago do cigarro que acabara de retirar da boca.
          - Prazer, Alice Caetano. – Ah, o sorriso mais uma vez... E a pele do rosto, encostando na minha.
                
          Após este dia, passaram-se muitos outros, junto de outros cumprimentos breves. Alice ficava distante, muito distante para alguém como eu, rapaz sem jeito, sem botas nem armadura, alcançar. Mesmo distante, nunca deixou de se mostrar disposta a encarar os bons costumes de simpatia e educação. Ah, como eu quis aquele abraço, só pra mim...
            Talvez por tanto querer, fui agraciado com sua voz dizendo-me de algo sobre o qual não lembro mais, num dos dias de som alto na Casa da Cachaça. Ainda que muito belo o lugar, rodeado pelos harmônicos casarões da Lapa, o mesmo sucumbia ao chamariz de Alice. Não sei dizer ao certo que aspecto da moça é o que chama mais a atenção, mas que Alice o tem, ela tem, e que o usa  bem, oh... e como usa.
          Dizia do tempo, ou da temperatura, dos semáforos, pontes, aviões ou da música que tocava. Perdi-me num sorriso, e junto a mim mesmo, perdi as palavras que saiam de sua boca. Eu não lembro a respeito do quê dizia, porém aquela mínima troca de ideias fez-me transcender.
                 
         - Que frio. – Agora sim, falou sobre a temperatura! Sua roupa sem mangas permitiu-me notar os pelos ouriçados na pele, que tentava, em vão, aquecer-se a si mesma.
          - Tome, não hei de querer que passe frio.

          Esquecendo a blusa com ela, ao fim da noite, foi claro que bendita blusa, ou bendita falta de memória, contribuiu para a continuação da conversa no dia ulterior. A voz de Alice, devo dizer, não caberia a uma enamorada da commedia dell'arte, mas à marcante personagem que mais nos faz relembrar o espetáculo, quando já em nossas residências repousamos. A voz que era só dela, foi o que fez relembrar-me o afeto de cada momento ali passado.
            Afetou-me sem medir circunstâncias, e quando dei por mim, era ela quem abria a porta de nossa residência após o trabalho de um dia, e quem aquecia o corpo, na cama, em minhas mãos durante a noite fria. Metia-se toda vez a perguntar o que houvera passado em minha cabeça, por tê-la guardado tanto tempo junto do peito, sem ao menos lhe dirigir uma palavra, e mais, perguntava o que me fizera querer, ainda, sua companhia. Deixei de contar as vezes em que a reposta para suas perguntas resumia-se ao fato de que eu a amava. E amo.

          - Eu lhe faço feliz, fica comigo...
          Como que querendo dizer algo, sem saber direito o quê, ela deu o típico suspiro precedente à fala, sem ao menos emiti-la.  
          - Estou dizendo, fica. – Meu desfecho num dos diálogos iniciais entre nós.

           Alice ficou, e fez-se presente nos meus dias. Fez-se presente nos retalhos das memórias de minha vida. Como era gostoso estar ali. Sentir Alice, sua pele, sê-la por alguns instantes. Fui Alice quase o tempo todo. Comi, cheirei e gozei sendo ela.

          - Porque você não vem? – Sua voz mudara com o tempo, ou meus ouvidos já não a escutavam da mesma forma.
          - Estou cansado, desculpe-me. – Eu não queria desapontá-la. Alguém há de saber que, no fundo, eu realmente não o queria. – Mas vá, não perca isso por minha causa.

             Ela foi. Foram-se os dias, carregando consigo a parte, que possuía a mim, dela. Eu, sentado.
          Minha vontade não era a de estagnar em uma sala enclausurada, mas a de não mudar os bons sentimentos vivenciados até então. Pobre de mim, que ainda não havia aprendido os mistérios sobre a mudança humana. A vida é transformação. Não pude prender Alice em minha fantasia utópica de felicidade eternamente única.
           Meu problema maior foi realizar uma promessa na qual eu já não acreditava, desde o momento em que ela saiu da boca, o quê eu não cumpri, o quê eu não dei conta de cumprir. Eu sabia que não faria Alice feliz, embora muito o quisesse.
             Não há palavras para descrever o quanto me doeu enxergar lágrimas sofridas em seus olhos.

           - Você prometeu...



5 comentários:

  1. Olha Amandinha, gostei viu, arregaçou as mangas e meteu a mão, sem ter medo de lhe sujar os dedos, em toda a sua profundidade.
    Engraçado, eu adoro o céu de abril, céu de vênus, céu da beleza, da sensualidade, do "amor", por que não?
    Bem, achei super legal os personagens, o Dante Emilio, militante político...digamos que os comunistas guardam um charme todo especial, intelectual, do homem simples...o homem de sartre, romantico e bom, com toda a corrupção social.

    Achei massa...de verdade! Abraços

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  2. Amanda!Minha querida!Que beleza poder ler algo que me remeteu a coisas que pensei não existir mais.Em um mundo onde tudo se tornou rápido e descartável,ler sobre esse amor impossível e desenfreado me faz crer que ainda existem coisas muito válidas nesse mundo. Vai que vai,que você está no caminho certo,foi linda, profunda sem ser clichê e pode crer eu adoro isso.Muito orgulho de conhecer você e ter a oportunidade de ler coisas como essa num mundo tão diferente como o de hoje.Voce vale ouro, grande beijo, amei!

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  3. Ps: Troca esse nome aí!Bobagens? Não mesmo!

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  4. Texto romantico, descritivo, emotivo e claro. Um esqueleto sugestivo de um possível nucleo principal de uma novela. Tão humano e sensitivo quanto a autora! Penso ser capaz de distinguir um texto seu facilmente por ser assim. =P

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  5. Nossa, Amanda, incrível a sua narrativa nessa dissertação. Não sou um especialista mas vejo do meu ponto de vista de um também contista. A personagem corre numa narrativa de um fôlego e enxergamos aí o seu contador sobre essa pessoa. Demais seu texto.Parabéns!

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