11 março 2014

Sopro

      Ontem eu senti que era velha. Senti quase morrer. Era como se, respirar não tivesse porque. E tudo foi se apagando, e o todo foi se tornando, tudo mais o qu’eu não enxergava fazia tempo. E ‘tava velha e olhei pro tempo. Ele sorriu dizendo Olá. Como está, dona moça? - Eu vou bem, meu querido.  ‘Tava velha e não tinha força pra levantar.  Mentira. É, mentira. Olhei torto, outra vez. Não tinha também porque, isso sim! Não tinha era motivo de continuar. Já tudo tinha sido feito, tudo o que eu pudesse fazer até aquele momento chegar. Tudo que pudesse vir ou sair de mim. ‘Tava ali, posto. Posto, pra poder ser qualquer outra coisa em conjunta criação. O mundo não é meu, querido.Nem meu. - ‘Tá tão bonito, daqui. Tudo indo, sendo. Não pra tudo, não pra todos. Mas Tem um tanto tão bonito. Tudo indo, sendo. Ia o vento, levando passarinho. Mandei um beijo doce, de carinho. Olá, dona moça.Vem dançar? Soprou gostoso. Me soprou pro ar. Estou passando, queridos.Vem. Até breve...



10 março 2014

Morrer

      Houve um tempo no qual eu achei que deveria conhecer as pessoas, de novo. Ou elas me conhecerem de novo. Conhecerem o novo que virei sendo por estes anos. Ando vindo por aí... Quem sabe a gente não possa se reconhecer, todos em cada um. E conhecer de novo. Já que conhecer é também uma forma de olhar, olhar diferente então. E antes que o sol raiasse a gente estaria feliz por se ver. E antes que o céu pintasse a gente estaria pronto a nascer. Ou morrer. Mas morrer também é uma coisa que a gente inventou. Meu avô sempre disse E quando morrer não existisse... Achei que fosse por desconfiança do momento da passagem. Um amedrontamento pelo novo ou pelo desconhecido, talvez. Fiquei a pensar no dia em que quando morrer não existisse. E pensei torto. Só vi que o tinha pensado assim depois de conseguir enxergar a sua calda. Mas o torto também se avoa, cantou-me o passarinho. E bateu asas. Foi buscar o rango do meio dia. E o torto pensei de novo. Pensei-o e vi que estava a pensar diferente. Inclinei a cabeça para o lado, e vi que não era aquilo. O que era, é que eu deveria pensar no dia quando morrer não existisse. Não no que vem depois.



05 março 2014

Graça

Deixa a presa de lado
o marfim, o pelo, a pele presa
Deixa o peso bater asa
deixa o bicho viver
Arranque-mo-nos cabelos
soltos, dentes esquecidos
arranquem de mim o que não morrer
arranquem só o que for crescer
pra não virar nada, e pó, sem alma
Se vive, tem alma, se mora, também
Deixa morar, ir embora
Deixa ir, deixa ficar
Deixa deixar ser



01 março 2014