28 janeiro 2014

Agitatione

corre corre 
corre
o tempo
passa hora
passa vento
passarinho
pia pia
madrugada
vira dia
passa tic
passa tac
passa carro
bicicleta
businada
passa susto
joga fora
folha usada
amassa amassa
move arbusto
move pelo
roupa
porta
barco
vela
move tudo
putaquepariu
Derrubei café na mesa do escritório...


.

Fios de pelo
No braço
no buço
Fios de pele
Nas bocas
Na língua
Fios de sede
Nos olhos
Nos cílios
Fios da água
Que rega
Reanima


Ciranda

     Hoje a saudade me chamou pra dançar. Disseram saudade é mistura de dor com alguma outra coisa. A outra coisa eu não sei o que é. Hoje a saudade me chamou pra sair da cama. A outra coisa eu ainda não sei o que é. Me deu café, tirou a fome. El’ainda para de bater. Gente apressada essa tal que pula pra frente, pra trás. Que fica de mão dada a alguma outra coisa. Ê saudade criança, cê ‘inda é pequena. Penso, penso, penso nela. Cadê você, menina? Encontrei, eu. Palavra bonita, inventada pra voar, pr'aqueles que não tem calçado nos pés. E se eu ficar com medo, mãe? 
     Digo por aí que a outra coisa eu ainda não sei o que é.






26 janeiro 2014

Visão

Eu tinha bastante medo de não poder enxergar. Depender duns óculos para poder ver passarinho criar a casa, tartaruga emergir a cabeça d’água. Até que vieram umas pessoas amigas, me apresentar uns dos bons caras que a gente gosta de ouvir. Dos quais a gente gosta de falar também. Fiquei devotada a eles. Vez ou outra me davam café na hora de acordar, ou me botavam sonho na cabeça antes de dormir. Andam me ensinando até agora. O tal do Salvador me ajuda a olhar pela amplitude das coisas, em todas as suas formas de ser. Manoel chega mostrando o que há nas entrelinhas, me diz a olhar pro lado. Jorge Luis começa botando tudo de ponta cabeça, depois vai ligando as mãos das ideias. De Assis, quando penso que será breve, prefere explicar bem os detalhes; quando não penso, enfia todo pensamento numa palavra só e dá conta de se fazer explicado. Simone mira seus olhos fortes e grita pra eu sair do lugar. Marina também. Desde pequena Paulo me cala pra deixar a poesia se mostrar. Amado diz qual é a real. Outros também conversam comigo, muitos. O medo de ter a vista embaçada vai passando...



24 janeiro 2014

O circo

          A vida foi quase sempre meio atrasada comigo. Eu marcava hora, ela não comparecia. Fui cansando de cobrar, decidi ligar no dia seguinte pra tirar satisfação. Coitada dona vida, não sabia que estava assim. Descobri que fui quase sempre meio atrasada com ela. Os que moravam na casa tinham apenas medo, a pequena que eu era ia ficar sob proteção. Criança aprende primeiro a andar, depois é que empina pipa, sobe em árvore, colhe fruto do pé. (Algumas pessoas ainda pensam que, mais tarde, criança tem de usar terno e gravata pra poder virar adulto.) Mas decidi bater um bom papo com a vida. Fiquei sabendo das novidades, chegaria na cidade o circo dos atrasados. Fugimos com ele, eu junto da vida. 



23 janeiro 2014

'Inda cresce

      Fica assim não, meu velho. Eu sei que a gente é pequeno, mas ‘inda vai crescer, virar gente grande, aprender a sorrir pra quem não precisa, beijar a mão de quem não merece. Ôh meu velho, fica assim não. Que a gente ‘inda aprende a cuspir. Que a gente ‘inda aprende a mentir, falar que pode o que não sabe. Falar que está sem tempo, que a reunião fora marcada às ultimas horas. Que a gente aprende a ter pressa demais. A gente ‘inda entra na lista. Fica assim, não. Que a gente ‘inda esquece d’onde veio, ‘inda esquece de tudo, ‘inda esquece até da gente mesmo.  
Só não sei se isso é que é crescer...