06 junho 2014

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A Quintana
fico grata
suas bobagens
foram-me fruto
cheiroso
guloso
e farto
não bobagens
de fato
nem de fruto
mas bobagem
poética
daquelas de se pegar com a mão esticando, esticando, esticando, mais um tanto pra ponta e...
Ah...,

quem diria,
poeta,
docinho, não?

Bem,
hora de partir
viagem
vamos pegar
a bagagem
Vem?

Recado

Passei só pra dizer que te amo
e boa noite
Então,
te amo
e boa noite!

13 abril 2014

Leva

Despertei assim, meio de lado.
A comida da noite passada
bateu no estômago,
o resto dela que meu organismo não deu conta
de digerir, pelo menos.
Bateu na cabeça a ideia de ir
embora.
(...)
Não dei conta.
(...)
Pulei do leito e arranjei um jeito de mostrar os olhos,
do modo com o qual a maioria não pudesse entender
o que se passava aqui dentro.
Arranhei o jeito de olhar,
arranhei a dor e ela vazou um pouco mais.
Hoje
escorreu um pouco mais de dor, porque eu a arranhei.
Sai da casa, mas voltei logo.
A rua não queria companhia. A minha, não.
Voltei logo
pra notar que entraram no quintal. Um sujeito parado.
Estranho, acanhado.
‘Inda assim estava mais disposto que eu, em pé com estrutura rachada.
Deixei que levasse tudo de mim.
Pode levar, isso não tem dono, nem é meu, nem é seu. Leva.
E vai.
Deixei levar tudo. Pedi que pagasse algumas contas apenas.
Mas as contas eu quem tinha de pagar. Aceitou não!
Saiu de banda
levando o que eu deixei levar.
Eu fiquei com as contas...



11 março 2014

Sopro

      Ontem eu senti que era velha. Senti quase morrer. Era como se, respirar não tivesse porque. E tudo foi se apagando, e o todo foi se tornando, tudo mais o qu’eu não enxergava fazia tempo. E ‘tava velha e olhei pro tempo. Ele sorriu dizendo Olá. Como está, dona moça? - Eu vou bem, meu querido.  ‘Tava velha e não tinha força pra levantar.  Mentira. É, mentira. Olhei torto, outra vez. Não tinha também porque, isso sim! Não tinha era motivo de continuar. Já tudo tinha sido feito, tudo o que eu pudesse fazer até aquele momento chegar. Tudo que pudesse vir ou sair de mim. ‘Tava ali, posto. Posto, pra poder ser qualquer outra coisa em conjunta criação. O mundo não é meu, querido.Nem meu. - ‘Tá tão bonito, daqui. Tudo indo, sendo. Não pra tudo, não pra todos. Mas Tem um tanto tão bonito. Tudo indo, sendo. Ia o vento, levando passarinho. Mandei um beijo doce, de carinho. Olá, dona moça.Vem dançar? Soprou gostoso. Me soprou pro ar. Estou passando, queridos.Vem. Até breve...



10 março 2014

Morrer

      Houve um tempo no qual eu achei que deveria conhecer as pessoas, de novo. Ou elas me conhecerem de novo. Conhecerem o novo que virei sendo por estes anos. Ando vindo por aí... Quem sabe a gente não possa se reconhecer, todos em cada um. E conhecer de novo. Já que conhecer é também uma forma de olhar, olhar diferente então. E antes que o sol raiasse a gente estaria feliz por se ver. E antes que o céu pintasse a gente estaria pronto a nascer. Ou morrer. Mas morrer também é uma coisa que a gente inventou. Meu avô sempre disse E quando morrer não existisse... Achei que fosse por desconfiança do momento da passagem. Um amedrontamento pelo novo ou pelo desconhecido, talvez. Fiquei a pensar no dia em que quando morrer não existisse. E pensei torto. Só vi que o tinha pensado assim depois de conseguir enxergar a sua calda. Mas o torto também se avoa, cantou-me o passarinho. E bateu asas. Foi buscar o rango do meio dia. E o torto pensei de novo. Pensei-o e vi que estava a pensar diferente. Inclinei a cabeça para o lado, e vi que não era aquilo. O que era, é que eu deveria pensar no dia quando morrer não existisse. Não no que vem depois.



05 março 2014

Graça

Deixa a presa de lado
o marfim, o pelo, a pele presa
Deixa o peso bater asa
deixa o bicho viver
Arranque-mo-nos cabelos
soltos, dentes esquecidos
arranquem de mim o que não morrer
arranquem só o que for crescer
pra não virar nada, e pó, sem alma
Se vive, tem alma, se mora, também
Deixa morar, ir embora
Deixa ir, deixa ficar
Deixa deixar ser



01 março 2014

28 fevereiro 2014

Ihul...

Às veis o bicho corre parecênu que qué pegá
Dá pena do bicho, coitado
que às veis, à gente só tá querênu avisá
d'alguma coisa ele qué falá
e a gente com medo foge, sem o bicho escutá

Êh bicho danado, qu'engana a gente
com cara de quem é brabo
e faz todo estardalhaço
porque num sabe o mió jeito
do medo da gente podê contá

Num sabe o mió jeito e sai correndo
sai gritando tentando a menságe passá
e a gente qu'ié desconfiado do mundo
prefere se escondê no primêro lugar seguro
que a gente encontrá

Lugar seguro a gente só acha que é
tentando o bicho despistá
mas o castelo desaba
quando a gente começa nele a encostá

Corre com mais pressa, com medo do bicho chegá
óia pra trás bem ligeiro, "Num interessa! Corre mais!
Que o bicho vai abocanhá!"

"Corre, não! Fica pra cá. Escuta o qu'eu tenho pra lhe contá!"
Êh bicho danado, conseguiu se comunicá!
Sua parte tá fazênu, agora à gente resta sabê oiá

Com mais calma, menos pressa, pro bicho cansado se assossegá
A gente também se assossega, pra junto do bicho podê proseá
Quem sabe agora a gente num vê no ôio do bicho
o que no ôio da gente o bicho pode enxergá.



14 fevereiro 2014

Ao amigo

É, meu amigo
A gente pensa ser difícil
Ess’estória de andar
Pensa não ter jeito
Não ter força nem idade
Pra sair desse lugar
Parece até desgosto
Mas meu eu medroso
Tenta de um parapeito
O seu eu pra perto, puxar

Meu amigo
A gente só pensa
Porque feito criança
Tenta começar a engatinhar
Pensa que vai dar azar
Escolhe uma promessa
Fica preso a esta molesta
E se perde a esperar

Caro bom amigo
Se sozinho não consigo
Vem comigo dá-me a mão
Seja qual e qual caminho
Seja qual o medo em vão
Para um lado ou pro outro
Vamos dando nossa graça
Ofertar rima que abraça
Vida não tem pré criação.



06 fevereiro 2014

Thiago

Ele chegou, está lá fora! Um curto alvoroço toma conta dos olhos de todos, ou quase. Vamos ajeitando lugar. O dele já está guardado, é aqui. A sala fica pequena, o ar frio não dá conta de esfriar. É preciso mais cadeiras. E mais espaço. Aqui ficam os convidados, que lá dentro não cabem mais. Fiquem à vontade. – Muito obrigada. Outros ainda se incomodam. Mas, daqui, eu não ouço nada! Calma, amigo. Está difícil por conta do ventilador barulhento. Se desligar, fica muito quente... É verdade. Alguns aqui, são dos nossos. Consigo ouvir quase nada, apenas o timbre da voz misturado às ondas de vento quente, que o ventilador dá conta de empurrar, em seu máximo esforço. Vou sentar mais perto, você vem? – Pode ir. Fico aqui. Todos acabam se aproximando um tanto. Ainda não o ouço bem. Mas seus olhos. Ah... Olhos atentos... Seus movimentos parecem traduzir um cansaço físico, ou esforço para o movimento. No conversar, ao escutar, concorda balançando a cabeça junto do tronco, levando-os para frente e para trás algumas vezes, em gesto bem marcado. Os olhos continuam atentos. Fixam-se e desprendem-se aos outros numa faculdade adesiva daqueles que sabem olhar, com amor ou por meio dele. Alguns questionamentos o trazem aqui. Perguntas feitas. A maioria para saber A quantas anda a arte literária na cidade? Disseram que bem. Disseram que têm. Mas quem botou essa mulher pra falar? Ela faz uma piada. Bem, não sei. Mas aqui na cidade tem alguma editora? – Tem gráficas excelentes. Quem botou essa mulher pra falar? – Mas tem alguma editora? – Não, editora não. Fora editais, os escritores é quem banca. Tem havido trabalhos lindos nas escolas. Disse que sim. Onde está você, Tito? Pr’ond’é que você foi, amigo? Você não está aqui agora. Estava até pouco tempo atrás, eu vi. Estava sim! Mas agora, não. Agora você não está aqui. Eu acredito é nas crianças, Thiago disse. Seu falar navega pelo vento quente. A voz parece ganhar espaço, se expande ao sair. Quem ganha com isto são nossos ouvidos, nossos corações. Feitos alvo certeiro pros seus pensamentos lindos. E pensamentos lidos. Seus movimentos parecem compassados, lentos, com calma, bem pensados ou bem sentidos, não sei. Mas causam vício aos olhos. As mãos se alongam no mexer, os dedos esticam. Num vai-e-volta dançado à música que se ouve do seu falar. Mãos apoiadas à mesa, agora. Vagarosas. Os dedos, não. Assumem a velocidade de dentro, talvez? Os dedos estão rápidos. Como num piano em sinfonia. Não param sobre a mesa. A tocam e destocam. Não param. Que calor! Ainda ouço quase nada. Os dedos não param. Acho que podemos desligar o ventilador. – Que calor! Melhorou. Eu acredito é nas crianças. Um cochicho entre as cadeiras. Mas quem botou essa mulher pra falar? Que cara é essa, Tito? Respire, Tito. Acredite, vai dar certo. Tem gente boa vindo aí. Acredita. O peito pula, não? Segura ele um pouco, Tito. Ainda não é hora. Shhhh... Mas quem botou essa mulher pra falar? É às crianças que ele volta a atenção. E às crianças das crianças. É preciso que se leia! Que se ensine a importância mais do livro do que da televisão e do meio virtual-eletrônico. Há aqueles que buscam imortalidade sem leitura. Há aqueles da acadimia que não lêem. E também aqueles fora da acadimia. Ele não acredita tanto quanto, nestes. Eu nem faço minha promoção. Lindo Thiago... Alguém inventa uma piada. Não sei se entendi. Não sei se quero entender. Mas quem botou essa mulher pra falar? Ela quer mais promoção. Ah, se houvesse mais... Não entenderam? Não é isto que é o mais importante. Não é isto, mulher. Você quer mais promoção. Ele não. Ele comenta dos amigos, grandes amigos. Nossos conhecidos de nome. Que calor! A água da torneira refresca. Porque me olham assim? Vai uma água aí? Bem, não querem. Ele fala dos olhos de alguém. Gostou. Tanta coisa a contar. Tanto passa pela cabeça. É tanto, que partilha as estórias e intercala assuntos. Mas os retoma feito juntar pedacinhos dum todo, duma coisa só. Fala do esforço preciso. Da luta. Dos deveres da acadimia. Do bem, do bom, da esperança. Fala mais. Fala tanto. Que gostoso ouvir-te, querido... Que felicidade. Os dedos param. Não sou grande. Sou querido. És um grande querido, querido. Tu és amor. E assim fico, esta noite: inundada em amor.