28 fevereiro 2014

Ihul...

Às veis o bicho corre parecênu que qué pegá
Dá pena do bicho, coitado
que às veis, à gente só tá querênu avisá
d'alguma coisa ele qué falá
e a gente com medo foge, sem o bicho escutá

Êh bicho danado, qu'engana a gente
com cara de quem é brabo
e faz todo estardalhaço
porque num sabe o mió jeito
do medo da gente podê contá

Num sabe o mió jeito e sai correndo
sai gritando tentando a menságe passá
e a gente qu'ié desconfiado do mundo
prefere se escondê no primêro lugar seguro
que a gente encontrá

Lugar seguro a gente só acha que é
tentando o bicho despistá
mas o castelo desaba
quando a gente começa nele a encostá

Corre com mais pressa, com medo do bicho chegá
óia pra trás bem ligeiro, "Num interessa! Corre mais!
Que o bicho vai abocanhá!"

"Corre, não! Fica pra cá. Escuta o qu'eu tenho pra lhe contá!"
Êh bicho danado, conseguiu se comunicá!
Sua parte tá fazênu, agora à gente resta sabê oiá

Com mais calma, menos pressa, pro bicho cansado se assossegá
A gente também se assossega, pra junto do bicho podê proseá
Quem sabe agora a gente num vê no ôio do bicho
o que no ôio da gente o bicho pode enxergá.



14 fevereiro 2014

Ao amigo

É, meu amigo
A gente pensa ser difícil
Ess’estória de andar
Pensa não ter jeito
Não ter força nem idade
Pra sair desse lugar
Parece até desgosto
Mas meu eu medroso
Tenta de um parapeito
O seu eu pra perto, puxar

Meu amigo
A gente só pensa
Porque feito criança
Tenta começar a engatinhar
Pensa que vai dar azar
Escolhe uma promessa
Fica preso a esta molesta
E se perde a esperar

Caro bom amigo
Se sozinho não consigo
Vem comigo dá-me a mão
Seja qual e qual caminho
Seja qual o medo em vão
Para um lado ou pro outro
Vamos dando nossa graça
Ofertar rima que abraça
Vida não tem pré criação.



06 fevereiro 2014

Thiago

Ele chegou, está lá fora! Um curto alvoroço toma conta dos olhos de todos, ou quase. Vamos ajeitando lugar. O dele já está guardado, é aqui. A sala fica pequena, o ar frio não dá conta de esfriar. É preciso mais cadeiras. E mais espaço. Aqui ficam os convidados, que lá dentro não cabem mais. Fiquem à vontade. – Muito obrigada. Outros ainda se incomodam. Mas, daqui, eu não ouço nada! Calma, amigo. Está difícil por conta do ventilador barulhento. Se desligar, fica muito quente... É verdade. Alguns aqui, são dos nossos. Consigo ouvir quase nada, apenas o timbre da voz misturado às ondas de vento quente, que o ventilador dá conta de empurrar, em seu máximo esforço. Vou sentar mais perto, você vem? – Pode ir. Fico aqui. Todos acabam se aproximando um tanto. Ainda não o ouço bem. Mas seus olhos. Ah... Olhos atentos... Seus movimentos parecem traduzir um cansaço físico, ou esforço para o movimento. No conversar, ao escutar, concorda balançando a cabeça junto do tronco, levando-os para frente e para trás algumas vezes, em gesto bem marcado. Os olhos continuam atentos. Fixam-se e desprendem-se aos outros numa faculdade adesiva daqueles que sabem olhar, com amor ou por meio dele. Alguns questionamentos o trazem aqui. Perguntas feitas. A maioria para saber A quantas anda a arte literária na cidade? Disseram que bem. Disseram que têm. Mas quem botou essa mulher pra falar? Ela faz uma piada. Bem, não sei. Mas aqui na cidade tem alguma editora? – Tem gráficas excelentes. Quem botou essa mulher pra falar? – Mas tem alguma editora? – Não, editora não. Fora editais, os escritores é quem banca. Tem havido trabalhos lindos nas escolas. Disse que sim. Onde está você, Tito? Pr’ond’é que você foi, amigo? Você não está aqui agora. Estava até pouco tempo atrás, eu vi. Estava sim! Mas agora, não. Agora você não está aqui. Eu acredito é nas crianças, Thiago disse. Seu falar navega pelo vento quente. A voz parece ganhar espaço, se expande ao sair. Quem ganha com isto são nossos ouvidos, nossos corações. Feitos alvo certeiro pros seus pensamentos lindos. E pensamentos lidos. Seus movimentos parecem compassados, lentos, com calma, bem pensados ou bem sentidos, não sei. Mas causam vício aos olhos. As mãos se alongam no mexer, os dedos esticam. Num vai-e-volta dançado à música que se ouve do seu falar. Mãos apoiadas à mesa, agora. Vagarosas. Os dedos, não. Assumem a velocidade de dentro, talvez? Os dedos estão rápidos. Como num piano em sinfonia. Não param sobre a mesa. A tocam e destocam. Não param. Que calor! Ainda ouço quase nada. Os dedos não param. Acho que podemos desligar o ventilador. – Que calor! Melhorou. Eu acredito é nas crianças. Um cochicho entre as cadeiras. Mas quem botou essa mulher pra falar? Que cara é essa, Tito? Respire, Tito. Acredite, vai dar certo. Tem gente boa vindo aí. Acredita. O peito pula, não? Segura ele um pouco, Tito. Ainda não é hora. Shhhh... Mas quem botou essa mulher pra falar? É às crianças que ele volta a atenção. E às crianças das crianças. É preciso que se leia! Que se ensine a importância mais do livro do que da televisão e do meio virtual-eletrônico. Há aqueles que buscam imortalidade sem leitura. Há aqueles da acadimia que não lêem. E também aqueles fora da acadimia. Ele não acredita tanto quanto, nestes. Eu nem faço minha promoção. Lindo Thiago... Alguém inventa uma piada. Não sei se entendi. Não sei se quero entender. Mas quem botou essa mulher pra falar? Ela quer mais promoção. Ah, se houvesse mais... Não entenderam? Não é isto que é o mais importante. Não é isto, mulher. Você quer mais promoção. Ele não. Ele comenta dos amigos, grandes amigos. Nossos conhecidos de nome. Que calor! A água da torneira refresca. Porque me olham assim? Vai uma água aí? Bem, não querem. Ele fala dos olhos de alguém. Gostou. Tanta coisa a contar. Tanto passa pela cabeça. É tanto, que partilha as estórias e intercala assuntos. Mas os retoma feito juntar pedacinhos dum todo, duma coisa só. Fala do esforço preciso. Da luta. Dos deveres da acadimia. Do bem, do bom, da esperança. Fala mais. Fala tanto. Que gostoso ouvir-te, querido... Que felicidade. Os dedos param. Não sou grande. Sou querido. És um grande querido, querido. Tu és amor. E assim fico, esta noite: inundada em amor. 



04 fevereiro 2014

Dos dizeres

Disseram que o salto alto é a coisa mais bonita. Disseram que a gente tem de se enfiar nas camisas de botão pra ter honra. Disseram que ninguém vai sair tanto assim do lugar. Disseram que a gente não pode. Disseram que não. Disseram que a gente tem de manter o corpo na forma que eles disseram. Disseram que o cabelo tem que estar escovado, alisado, não armado, bem cortado, caprichado para um dia de conversa. Disseram que a gente é o que a gente come, quem a gente come, do jeito que a gente come, do tempo que a gente leva pra comer. Disseram blá só pra não dizerem que não disseram. Disseram que não foram eles quem disse. Disseram que eles não são eles só. Disseram que eles são a gente. Disseram da gente. Disseram que isso é mais difícil do que a gente imagina. Disseram que vem da gente. Disseram que eles vêm da gente. Disseram que eles são a gente. Dissemos que disseram. Dissemos. Vivemos dizendo que disseram e que não foi a gente quem disse.



03 fevereiro 2014

Telefone

Telefone que não cessa os segundos pausados de lá. E aqui, as unhas que vão até a boca, não matam a fome, nem minha, nem de mais ninguém.
- Primeiras Páginas, boa tarde.
- Boa tarde, com quem eu falo?
- Gorete.
- Gorete, por favor, a Angela?
- Um minuto. – dois, três... E a música que se gruda na mente.
- Oi, é a Angela...
- Boa tarde Angela, sou Teodomiro. A senhora está ocupada? – Dessa vez dá certo!
- Não, não... Pode falar.
- Faço parte da produção cultural da Companhia Immensus, e este semestre estaremos levando a sua cidade nosso espetáculo teatral infantil... – O tempo de duração, a data, os horários das sessões e o desconto no valor do ingresso foram o foco da explicação. Fora isso, alguns comentários sobre as qualidades da peça e o aprendizado que, com ela, as crianças teriam como recompensa.
Sobrou espaço no silêncio repentino ao fim de minha fala. A viagem com as palavras não se estendeu muito, mas agradaram aos ouvidos no outro lado da linha.
- Olha, Seu Teodomiro, eu gosto muito de levar meus alunos pra atividades fora da escola, como esta. Mas veja bem, o dinheiro está curto, as despesas são grandes. E a gente não anda tendo muito apoio das Secretarias. Dizem que andam sem grana por lá também. Parece que eles também andam sem apoio. Parece. Dizem. Pro senhor ver, a nossa cota para o uso do transporte já esgotou. A gente tem uma cota, sabia? Ainda que pequena pro meu gosto. Mas mesmo que ainda tivéssemos uma parcela dela para usar, cancelaram todo o transporte das crianças até o mês de junho. Veja só! E este ano então... não sei se o pessoal do qual a gente depende vai ter muito tempo pra olhar pras escolas. Disseram que este ano haverá muitos gastos. Disseram que este ano vai passar rápido. Disseram que andam sem grana. Disseram que não vai dar. Disseram que não receberam o e-mail. Disseram que o país é um lixo e que a gente não tem cultura. Disseram que os imprestáveis somos nós. Disseram que a Educação vai melhorar. Disseram que andam sem grana, sem paciência, sem cara-de-pau. Disseram que não sabem de nada. Disseram que isso não é problema deles. Disseram que não é problema de ninguém, só da gente. Disseram que não podem fazer nada. Disseram que andam sem grana. É complicado. É uma pena. Mas veja, eu gostei muito da sua proposta. Fico grata. Infelizmente, não posso aceitar.
- É complicado mesmo. Eles demoram a dar respostas. Ainda assim, agradeço sua atenção, senhora Angela. Boa sorte pra gente.