03 fevereiro 2014

Telefone

Telefone que não cessa os segundos pausados de lá. E aqui, as unhas que vão até a boca, não matam a fome, nem minha, nem de mais ninguém.
- Primeiras Páginas, boa tarde.
- Boa tarde, com quem eu falo?
- Gorete.
- Gorete, por favor, a Angela?
- Um minuto. – dois, três... E a música que se gruda na mente.
- Oi, é a Angela...
- Boa tarde Angela, sou Teodomiro. A senhora está ocupada? – Dessa vez dá certo!
- Não, não... Pode falar.
- Faço parte da produção cultural da Companhia Immensus, e este semestre estaremos levando a sua cidade nosso espetáculo teatral infantil... – O tempo de duração, a data, os horários das sessões e o desconto no valor do ingresso foram o foco da explicação. Fora isso, alguns comentários sobre as qualidades da peça e o aprendizado que, com ela, as crianças teriam como recompensa.
Sobrou espaço no silêncio repentino ao fim de minha fala. A viagem com as palavras não se estendeu muito, mas agradaram aos ouvidos no outro lado da linha.
- Olha, Seu Teodomiro, eu gosto muito de levar meus alunos pra atividades fora da escola, como esta. Mas veja bem, o dinheiro está curto, as despesas são grandes. E a gente não anda tendo muito apoio das Secretarias. Dizem que andam sem grana por lá também. Parece que eles também andam sem apoio. Parece. Dizem. Pro senhor ver, a nossa cota para o uso do transporte já esgotou. A gente tem uma cota, sabia? Ainda que pequena pro meu gosto. Mas mesmo que ainda tivéssemos uma parcela dela para usar, cancelaram todo o transporte das crianças até o mês de junho. Veja só! E este ano então... não sei se o pessoal do qual a gente depende vai ter muito tempo pra olhar pras escolas. Disseram que este ano haverá muitos gastos. Disseram que este ano vai passar rápido. Disseram que andam sem grana. Disseram que não vai dar. Disseram que não receberam o e-mail. Disseram que o país é um lixo e que a gente não tem cultura. Disseram que os imprestáveis somos nós. Disseram que a Educação vai melhorar. Disseram que andam sem grana, sem paciência, sem cara-de-pau. Disseram que não sabem de nada. Disseram que isso não é problema deles. Disseram que não é problema de ninguém, só da gente. Disseram que não podem fazer nada. Disseram que andam sem grana. É complicado. É uma pena. Mas veja, eu gostei muito da sua proposta. Fico grata. Infelizmente, não posso aceitar.
- É complicado mesmo. Eles demoram a dar respostas. Ainda assim, agradeço sua atenção, senhora Angela. Boa sorte pra gente.



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